Sabe aquele amigo da sua amiga, de quem você só ouve coisas legais, mas desdenha porque acha que ele está sendo supervalorizado? Aí um dia você diz “oh, what the hell, I’ll give it a shot!” e aceita o encontro arranjado pela amiga em comum? Conhecer Bariloche foi assim, comigo. Eu achava que ia ser só um rosto bonitinho, mas gostei de tantos aspectos dessa viagem que a região entrou na minha lista de lugares para voltar – se possível na Outono e no Verão, pois a paisagem, os turistas e as atividades se modificam com as estações. Ou no inverno, pois gostei e muito!
O primeiro encontro não só rendeu uma paixonite (tanta que quase fiquei ofendida quando recentemente uma blogueira falou que Bariloche estava decadente), mas se dependesse de meus anseios viraria um casamento. Eu que atualmente proclamo que meu sonho de consumo é morar um pouco em cada canto do mundo, escolheria nossos hermanos como vizinhos por alguns meses, para pronunciar j no lugar do l, alimentar-me de vinho e dos sabores da carne, caminhar pelos vales tendo como companhia as montanhas e lagos que se assemelham às paisagens canadenses. Adoraria fazer compras na verduleria, panaderia, poleria, carniceria em vez de em um impessoal supermercado. Viver a vida como os moradores de Cerro Catedral, que se conhecem pelo nome e dão dois beijinhos ao se encontrar e se despedir, inclusive os homens.
Mas essa história de beijar pode não ser nada para a maioria dos brasileiros, acostumados ao contato físico, mas eu que não sou muito de beijos e abraços fiquei espantada com a situação que compartilho agora, sob protestos de Home Casado Viaja. Conhecemos um casal de Buenos Aires no ponto de ônibus em Puerto Pañuelo – sim, os ônibus demoram tanto a chegar e a vencer os quilômetros em alguns pontos que é possível começar uma amizade – e ao final do percurso o argentino se despediu de meu marido com dois beijinhos. Claro que virou piada. Homem Casado Viaja, com toda a rivalidade futebolista entre Brasil e Argentina, recebendo beijinhos de um hermano!
Apesar da paisagem montanhosa, da ausência de sujeira pelas ruas, da sensação de segurança que tive ao caminhar pelas ruas do Centro, da cordialidade dos locais, conversando com argentinos e moradores da região nos lembramos que estamos em um país muito parecido com o Brasil: alta carga tributária, deficiência na educação e saúde públicas, instabilidade política, burocracia e leis não cumpridas.
Em contraste com a vida atribulada de SP, mesmo no início de Julho as lojas, escritórios, agências de viagem e, pasmem, até restaurantes, mantêm a cultura da siesta nessa região. Restaurantes fecham por volta das 15h ou 16h e só reabrem às 20h. Fomos à charmosa Vila La Angostura, distante 85 quilômetros de Bariloche, e depois de algumas paradas para fotografar o relevo diversificado das montanhas pelo caminho chegamos por volta das 12h. Muitas lojas estavam fechando ou já se encontravam fechadas. Capitalistas dirão que estão perdendo a chance de ganhar dinheiro, mas eu diria que estão ganhando a chance de viver. Talvez mais realisticamente, manter funcionários no comércio é custoso quando não há muito movimento, então opta-se por manter as lojas fechadas enquanto as pessoas estão em passeios, reabrindo à noite, quando perambulam pela cidade à procura de restaurantes aconchegantes.
Não que Bariloche estivesse vazia, mas a região é grande e durante o dia a maioria está engajada em passeios pelos lagos, subindo os cerros (montanhas) ou pelas estradas. Grupos barulhentos de adolescentes em uniforme preenchem os espaços e têm serviço garantido em restaurantes na base do Cerro Catedral. Explico: tivemos certa dificuldade para comer no Cerro, que mantém o comércio fechado na baixa temporada (chegamos no final de junho) e ao entrar em um restaurante aberto, fomos informados que o serviço era apenas para os grupos, que provavelmente têm acordo com as agências que os levam. Mais uma vez, a sensação de que faturar acima de tudo não é regra por aqui. Fico imaginando se as pessoas tem clara a relação daquela máxima: “mostre a seu dinheiro quem está no comando.” ou se não têm estrutura para atender a quem não estava na lista.
Outro fato agradável: em nenhum momento tentaram se aproveitar de nós como turistas. Todos os remisses que tomamos cobravam a mesma tarifa, independente do horário ou do clima. Nenhum golpe a vista, senão o custo exorbitante para ser fotografado com um São Bernardo no Centro Cívico de Bariloche (120 pesos por uma foto!). O sobrinho de meu marido esteve com a família no mesmo período que nós e relatou ter encontrado erros na conta em dois restaurantes diferentes. Vale a dica para sempre conferir.
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Ah, outro ponto positivo desta viagem a Bariloche e cuja descoberta me deixou satisfeitíssima: sempre evitei viajar para lugares de temperaturas baixas no inverno, porque imaginava que eu não suportaria o frio. De roupas e calçados apropriados, não só é praticável, como prazeroso. Pegamos temperaturas negativas, mas o que causa mais frio nem é a neve, mas o vento, que quando sopra forte nas proximidades do Lago Nahuel Huapi é de afugentar qualquer turista desavisado! E a gente logo se acostuma à rotina de chegar a um restaurante e tirar casado, touca, cachecol, luvas e a vestir tudo novamente ao ir embora.
Mas é claro que as geadas e a neve causam transtornos para quem como nós não está acostumado a baixas temperaturas. Em nossa último dia, a geada da madrugada havia produzido uma camada fina de gelo sobre o carro. O miolo da chave do porta-malas não girava, os vidros não podiam ser baixados. Era preciso aquecer o carro para que o gelo derretesse. Dica local: nunca jogue água quente, pois o choque térmico pode quebrar o vidro. Máquinas limpam as ruas, afastando a neve, mas o gelo não, e ele é que é perigoso. Outra dica local: não freie, apenas reduza a marcha. Calçados apropriados, com ranhuras e impermeáveis, são obrigatórios e é preciso caminhar com cuidado e firmeza para não escorregar no gelo sobre superfícies lisas, como madeira.
Minha dica maior é: se possível, fique cerca de 10 dias. Além de ter muito o que fazer pela região, o clima muda com frequência nas montanhas, alternando dias chuvosos com claros e outros com neve. Inverno é estação chuvosa e há grande probabilidade de chover por 4 ou 5 dias seguidos e você terá perdido o melhor, que é observar as montanhas nevadas espelhadas nos lagos, subir os cerros em dias de visibilidade alta e a neve, que tantos brasileiros buscam aqui.
Espero que seu primeiro encontro com Bariloche seja tão bom quanto foi o meu. Escrevi este post num dia chuvoso, no calor do apart-hotel em Cerro Catedral, com vista para a montanha, onde nos hospedamos pelo sistema Troca de Casa por 15 dias. Mais feliz, só se estivesse nevando – mas aí eu estaria lá fora!
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