Bariloche é um destino para se comer bem, provar vinhos, curtir o friozinho e a neve, mas também é um ótimo destino para ficar mais perto da naturaleza. Os passeios pelos lagos da região proporcionam essa proximidade e nos levam a conhecer paisagens ao mesmo tempo tão diferentes e similares às brasileiras e relaxar ao balanço das ondas calmas do lago Nahuel Huapi. No passeio a Isla Victoria e ao Bosque de Arrayanes vemos paisagens diferentes porque não temos montanhas de picos nevados ou lagos formados por geleiras. A similaridade fica por conta da floresta úmida, chamada Valdiviana, devido à proximidade da mata com os lagos e que em alguns pontos tem cana e até samambaias. Já viu samambaia com neve? Eu já!
Já relatei aqui no blog o passeio denominado Puerto Blest e Los Cantaros, que navega o braço mais importante do Lago Nahuel Huapi. Neste post falo de outro passeio lacustre pelo Nahuel Huapi e que também inclui dois destinos, que são a Ilha Victoria, a Noroeste de Bariloche e, um pouco mais ao Norte, o Parque Nacional Los Arrayanes. Array what? Calma, já explico.
Quem me ofereceu o passeio para que eu pudesse conhecer e contar aqui para você foi a Turisur, empresa que faz navegações no Nahuel Huapi desde 1958. Visite o site deles e veja fotos PB da época em que o Modesta Victoria chegou a Bariloche. Modesta quem? Modesta Victoria é o nome do barco que nos levou a este passeio e, na minha modesta e entusiasmada opinião, só navegar nele já valeria! Ele é um barco charmosão e autêntico. Foi construído – adivinhe! – na Holanda e veio desmontado, transportado em navio e trem até Bariloche onde foi reconstruído e inaugurado em novembro de 1938. Diferente das outras embarcações, além do espaço panorâmico reservado aos passageiros, há salas menores e mais aconchegantes e intimistas, além de uma cafeteria e sanitários a bordo. A sala das escotilhas é muito legal, pois elas ficam quase na superfície do lago e podem-se ver as ondas desse nível. Há algumas fotos e objetos antigos decorando o barco, então não deixe de explorar todos os espaços. Vale até pular degraus das escadas apoiando-se nos corrimãos, tal qual vemos os marinheiros fazer nos filmes! ?
Como todos os passeios lacustres em Bariloche, a partida é do belo Puerto Pañuelo, localizado 25 quilômetros a Oeste de Bariloche. A Turisur oferece o traslado de Bariloche se você estiver sem carro. Também é possível se utilizar de transporte público. O ponto de ônibus fica do outro lado da rua, em frente ao Hotel Llao Llao.
O porto construído em 1965 tem estacionamento gratuito para período igual ou superior a 90 minutos, onde há uma cabine de venda de passeios lacustres. Você pode aproveitar para comprar quando fizer o Circuito Chico, que passa por lá, ou ir à loja da Turisur na Mitre 219. O edifício do porto tem calefação, lanchonete, sanitários modernos e limpos, wifi gratuito, – uma vista linda para o Cerro Lopez – e os guichês de pagamento das taxas de embarque e de entrada no Parque Nacional. Gaivotas de papier marche penduradas no teto fazem referência às gaivotas que acompanham o barco à procura de pães e biscoitos oferecidos pelos turistas que navegam o Lago Nahuel Huapi, então não se esqueça de levar seu biscoito ou pãozinho.
Este passeio parte às 14h, mas é preciso chegar com antecedência para pagar as taxas de embarque e de entrada no Parque Nacional. Aproveite para conhecer a lindinha Capela de San Eduardo, que fica do outro lado da rua e tem uma vista linda para o porto (foto acima). Falo sobre ela no post Circuito Chico cujo link está no final desta publicação.
Durante a navegação, além de ouvir as informações prestadas pela guia, você pode explorar os espaços do Modesta, alimentar as gaivotas e fazer fotos da linda paisagem. Uma equipe de fotógrafos profissionais garante o clique caso você perca o momento exato em que a gaivota pega sua oferta. Um dos viajantes será sorteado e levará a foto gratuitamente, mas você também pode comprar a sua se não for o sortudo. Eles também vendem um pen drive com várias fotos em alta resolução das paisagens pelas quais passamos.
Uma hora de navegação depois, chegamos ao parque Nacional de Arrayanes, uma reserva natural de 1.753 hectares (1 hectare = 10 quilômetros) criada em 1934 como parte integrante do Parque Nacional Nahuel Huapi. Em 1971, ganhou autonomia devido à importância da sua formação bosqueada da espécie Luma apiculata, popularmente conhecida como arrayane. Luma é uma palavra Mapuche (povo nativo da região) que significa cor laranja, em referência ao tronco da árvore. O bosque fica numa península nomeada Quetrihué, que em mapuche significa arrayanes. A guia fez questão de relatar que a árvore é parente da nossa jabuticabeira e realmente o tronco guarda semelhanças, não é?
A trilha é uma passarela de madeira, feita para evitar que as raízes das árvores fossem danificadas pelo pisoteio. Antes de viajar eu li em vários blogs que a arrayane só existe nesta ilha, mas isso não é correto. Embora seja nativa desta região andina, foi levada para várias partes do mundo, inclusive estas informações eu busquei no Jardim Botânico de São Francisco, onde ela não cresce tanto como em seu ambiente de origem. O que torna a ilha tão especial a ponto de ser uma reserva é a qualidade de bosque, ou seja, várias árvores nascidas e desenvolvidas no mesmo espaço.
Se quiser usar o banheiro no Bosque, logo no início da trilha há sanitários. Use-os ao chegar, pois a trilha é direcionada para o porto em um único sentido, fazendo um desenho de U. No final da trilha, há uma casinha que diz a lenda foi inspiração para Disney fazer seu filme Bambi. Na vida real, a casinha é uma cafeteria bem aconchegante e em frente a ela há um mirante com mesas para picnic com uma bela vista para o porto.
Leia os demais posts sobre passeios e dicas práticas de Bariloche
Embarcamos novamente e depois de uns 15 minutos de navegação, às 16h15, começa a segunda etapa do passeio, quando descemos em Isla Victoria, que nem sempre foi Isla Victoria. Os primeiros habitantes da região, os Mapuches, a chamavam de Nahuel Huapi, que significa olho do tigre, mas chegou o homem branco e ela foi registrada como Isla Victoria em homenagem ao Ministro da Guerra, Gal. Benjamin Victoria.
No início do século 20, esta região da patagônia Argentina ainda não despertava interesse dos governantes, mas despertou a paixão de Aaron Anchorena, um rico aristocrata que desejava comprar a ilha. Obteve apenas o direito de usufruto entre 1907 e 1916, período em que, apesar de toda dificuldade de locomoção e transporte, construiu portos (não por acaso o porto onde descemos se chama Anchorena), moinho, estábulos, galpões e uma casa espaçosa de dois andares com adega no porão e biblioteca. Trouxe cavalos, vacas holandesas e ovelhas. Hoje sabemos o desastre ambiental que ações como a de Anchorena trazem ao ambiente e embora eu não tenha feito pesquisa para confirmar isso, imagino que os cervos e faisões que ele soltou na ilha para transformá-la em campo de caça não podem ter sido coisa boa para a fauna local. Em 1916 o Ministério da Agricultura retoma o controle da ilha e em 1934 a lei que instituiu os Parques Nacionais Argentinos determinava que “o Viveiro Nacional da Ilha Victoria passava a depender da direção dos Parques Nacionais”. Interessante saber que 40.000 árvores de lá foram retiradas para construção do Hotel Llao Llao, cuja história eu conto em um posto dedicado somente a ele.
Por outro lado, em 1949 o viveiro iniciado com espécies exóticas iniciado por Anchorena superava a marca de 1 milhão de plantas. Quem disse que os efeitos da globalização são recentes? Eu gosto muito de plantas e durante a travessia de florestas ficava me perguntando – e perguntando aos guias – se aqueles espécies eram nativas ou não. Muitas não eram… Bem, as plantas e árvores provenientes do viveiro eram utilizadas para ornamentar praças e ruas públicas e para fins particulares, vendidas a valores acessíveis. Nessa mesma época, foi inaugurada a Hosteria Nacional de La Isla Victoria, com abrigo para 14 pessoas e um restaurante que atendia 200 pessoas (mesmo naquele tempo, os turistas passavam poucas horas no local). Este hotel foi destruído por um incêndio em 1980 e substituído pelo atual edifício em funcionamento desde 2001.
Eu não cheguei a entrar nos edifícios para conhecer suas instalações. Logo no início da trilha há um exemplar de uma sequóia, as coníferas gigantes da Califórnia. O tempo que nos é permitido na ilha é muito pequeno e foi suficiente apenas para seguir a trilha até a praia Del Toro, em cujo caminho podemos ver as pinturas rupestres descobertas por um engenheiro sueco em 1958.
O que mais impressionou Pedersen foram os desenhos de llamas, evidenciando que os nativos locais haviam tido algum contato com as culturas do Peru, já que não há llamas nesta parte da patagônia. O que mais me impressionou foi a qualidade da fixação da tinta que eles criaram, pois ainda está tão evidente depois de séculos expostos a variações de temperatura, chuva, neve, sol – e turistas.
No canto da praia, há uma trilha que sobe a encosta rochosa e leva ao hotel Hosteria Isla Victoria. Próximo ao porto, há uma trilha larga, um corredor de sequóias em ambos os lados que rende fotos lindas. As minhas ficaram muito ruins e por isso não postei aqui, snif.
Se você decidir fazer este passeio, confira se terá duração de dia inteiro para que haja tempo de explorar as outras trilhas, visitar os mirantes e subir o teleférico até o morro Bela Vista, a 900 metros de altitude. Ou quem sabe se hospedar no exclusivo hotel da ilha. Quem sabe você não avista o Nahuelito, o monstro do lago Nahuel Huapi!!
Eu voltei às 17h45 para o porto, onde o Modesta Victoria nos levou de volta a Puerto Pañuelo. Sem Nahuelito e sem hotel exclusivo, mas com muitas lembranças.
Respostas de 3
Adoreiiii suas postagens….mas estou ansiosa para ler os comentários também do Cerro Catedral, as brincadeiras na neve….e muito mais…… Vou viajar em setembro(inicio dia 03) e estou bem ansiosa e contando os dias….
Obrigada por passar suas experiências conosco…Um grande abraço
Que fofa, Priscila! Atendendo a pedidos, vou começar a escrever sobre Cerro Catedral. Obrigada por participar. Abraços